Encontros d’Escrita | Uma nuvem de poemas

Olá a todos,

Hoje tenho o prazer de vos proporcionar mais um Encontros d’Escritas, desta vez regressando à escrita propriamente.

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Recentemente estive no País de Gales, a participar numa formação relacionada com a Psicologia e Mindfulness. Durante esses dias pude conhecer melhor muitos dos colegas que comigo têm estado a frequentar este curso, e foi assim que eu e a convidada de hoje partilhamos o nosso gosto pela literatura e pela escrita, mais precisamente por poesia.

Para Ruth Ministro, a poesia é tão natural e essencial como respirar. Os seus versos habitualmente condensam-se no Blog “A minha nuvem”, mas Ruth também já publicou dois livros. Através dos seus poemas são explorados diversos temas como o amor, a vida, entre outros. Fiquem a conhecê-la um pouco melhor com esta entrevista que ela aceitou dar para A Toca do Nunca:

1 – Fale-nos um pouco de si e de como surgiu o seu gosto pela escrita.

R: O gosto pela escrita surgiu cedo… quando era miúda, tinha a mania de escrever histórias inventadas por mim, adorava escrever e devorava livros. Era capaz de passar tardes inteiras a ler em vez de brincar com as bonecas. A poesia chegou um pouco mais tarde, no início da adolescência. Primeiro descobri-a nos livros, com poetas portugueses como o Camões, o Fernando Pessoa e o Eugénio de Andrade, que é, até hoje, o meu poeta do coração, depois comecei a tentar escrever qualquer coisa parecida com poemas. Mas esses não os mostro a ninguém, são o meu “tesourinho deprimente”!

2 – Começou a escrever poesia ainda na adolescência, por isso, ao longo dos anos terão sido muitas as suas fontes de inspiração. Como descreve a evolução da sua escrita e quais os principais temas que a marcam?

R: A escrita vai evoluindo com a vida, com aquilo que vamos passando e experienciando, é um processo contínuo e sempre inacabado. Sempre que me dedico a escrever um poema, descubro mais acerca de mim própria e do mundo e, ao mesmo tempo, acontece uma certa transformação em mim, de maneira que, quando escrevo o poema seguinte, há inevitavelmente um novo momento de descoberta. A maior inspiração nesta viagem é o amor, acredito que não é possível escrever poesia sem ele, é a força que nos faz pulsar, criar, e que é inerente à própria vida e indissociável dela.

3 – Em 2009, publicou o seu primeiro livro, intitulado “A minha nuvem”. Este é também o nome do seu blog, onde actualmente publica regularmente. Qual o seu significado e como foi esta primeira experiência no mundo editorial?

R: O blog surgiu numa altura da minha vida em que decidi começar a partilhar com outras pessoas aquilo que escrevia. Na altura nem comecei por publicar só poesia, eram textos soltos, variados, só depois de uns meses é que acabou por se definir como um blog de poesia. O significado da nuvem é simples e reporta à minha infância… era, no fundo, o meu refúgio secreto, sempre que queria estar comigo própria e desligar-me da confusão do mundo, fechava-me no meu quarto, sentava-me ou deitava-me, fechava os olhos e voava até à minha nuvem, onde ficava o tempo que eu quisesse, só a respirar ar puro e a ver o azul do céu. Era um segredo só meu. Quando criei o blog, achei que seria a metáfora perfeita, a nuvem até onde eu iria voar para escrever, resgatei o meu refúgio preferido e partilhei-o com quem quisesse voar comigo. Na altura foi muito gratificante começar a ter leitores assíduos, comentários de incentivo, foi uma excelente forma de começar. E foi precisamente através do blog, na altura já com bastantes seguidores, que me chegou o convite para a publicação de um primeiro livro, ao qual dei o mesmo nome. Foi uma emoção enorme ver os meus poemas numa obra, ainda para mais idealizada, desenhada e ilustrada pelo meu irmão, que é um artista maravilhoso, que eu admiro imenso e a quem estou profundamente agradecida porque transformou um amontoado de textos numa peça belíssima.

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4 – Em 2011, o segundo livro, “Dos intervalos das horas”, foi publicado pela mesma editora. Que novas facetas da Ruth podemos encontrar nesta obra?

R: É um livro mais fresco e ao mesmo tempo mais maduro, mais pensado. “A Minha Nuvem” é um livro composto por uma selecção de poemas escritos até aquela data, que não segue propriamente uma ideia ou organização específica. De alguma forma, acabou por ser uma obra com uma carga semântica pesada, composta por poemas mais dramáticos, mais sofridos, a nível morfológico com mais rima e mais estrutura. O meu segundo livro foi pensado ao pormenor, havia toda uma ideia relacionada com o tempo, que acaba por ser personificado na obra, e que eu queria trabalhar e decompor. É um livro que se vai construindo de vários momentos, das madrugadas, das manhãs mais claras, das noites longas e nuas e, por fim, dos intervalos das horas. Os poemas nascem desses diferentes momentos, nos quais o tempo tem características singulares, cores e aromas diferentes, diria mesmo personalidades distintas, trazendo nos versos os fragmentos desses momentos. O final do livro, que dá nome à obra, é uma tentativa de fazer alusão às paragens mágicas do tempo, aqueles intervalos em que tudo fica imóvel, imutável, silencioso e surge a poesia, no sentido mais amplo do termo, que a poesia não está só nos poemas, e é composto por alguns textos de prosa poética.

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5 – Que outras experiências lhe proporcionou o contacto com o mundo da poesia e que lhe tenham ficado na memória?

R: O mundo da poesia não é o mundo editorial. O mundo da poesia é o mundo real, é o mundo do pássaro a levantar voo junto à margem do rio, da chávena de café deixada suja, ao abandono, ainda com a marca de uma boca triste, o banco de jardim gravado com nomes e histórias secretas de por quem lá passou, daqueles que amamos, daqueles que nos amam, daqueles que nos fazem rir e daqueles que nos fazem sofrer, é o mundo em que nos erguemos, às vezes com um enorme cansaço, todos os dias, e que vai deixando em nós as memórias do que somos. Essa é a experiência que vale a pena, a de se deixar ser tocado pela poesia das coisas e das pessoas, e a de as tocar, a elas e ao mundo e, de alguma forma, também ao sonho, nem que seja com as pontinhas dos dedos.

6 – Para o futuro, quais são os seus planos no mundo da poesia e que sonhos ainda espera concretizar?

R: Não gosto muito de falar no futuro, precisamente porque já aprendi que dele sabemos muito pouco, está sempre a pregar-nos partidas. Gosto de acreditar no presente e usufruir o melhor que posso dele. Continuo a escrever, numas fases mais intensamente, noutras menos, mas continuo. A poesia nunca me deixa sozinha. Continuo a partilhar quase tudo o que escrevo no blog, que é público, gratuito e chega a toda a gente. O que me importa é escrever e saber que do outro lado há alguém, um só alguém, que me lê e que leva com ele as minhas palavras. Isso já é um sonho tornado realidade e pelo qual me sinto muito grata.

 

Para mim, é sempre um prazer ler as respostas às perguntas que fiz às pessoas com quem me tenho “encontrado” nestes dois anos d’A Toca do Nunca. Porém, gostaria de partilhar o quão fascinada me deixou a entrevista da Ruth, a quem estou muito grata por todo o carinho e por ter respondido de forma tão transparente a este convite. Espero que os leitores d’A Toca tenham gostado tanto quanto eu de conhecer um pouco do espírito sonhador e inspirador da Ruth, e que visitem o Blog “A minha nuvem” para ler alguns dos seus poemas!

Cá vos espero para um próximo post!

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